Eu não sou louco.
Hoje por falta de opção afoguei meu ego na pia do banheiro, tratei de me livrar do corpo e me dar um novo ego, mais limpo, sem aquelas manchas de sempre do antigo.
Todas essas noções de certo e errado que nos cercam, também tratei de matá-las, são prejudiciais, arrancam de nós o potencial, nos alejam e nos deixam largados em desertos tão áridos que nem urubus atravessam.
Já vi pessoas morrerem nesses lugares, quando se morre assim, continua-se vivo e respirando, mas não há motivo, não há perspectivas, é como se faltasse algo muito importante, as pernas, ou o fígado, ou o coração, tanto faz, mas acho que é mais como se faltasse as pernas, porque acima de tudo, você não anda, você rasteja e com dificuldade é uma "semi-morte" dolorosa e lenta, muito lenta.
As pessoas felizmente podem voltar a viver após vários banhos e varias trocas de ego por novos, sem manchas, após receberem pernas novas, ou rins, ou cérebros, então elas se levantam e saem da areia podre do deserto de ossos, lá tudo fede a mofo, por tão velhos os mesmos ideais e os mesmos costumes e as mesmas punições e modos de agir, com todas as mesmas velhas ordens e falta de desordem, raramente as pessoas conseguem se salvar desse inferno.
Por falar em inferno, atrevesso por ele a cada porta que passo a cada caminho que tomo, mas atinjo hoje certos níveis de consciência que me permitem olhar para a cara do danado, mostrar o dedo médio e sair sorrindo, só depois de arder no seu fogo durante muito tempo (cerca de 2000 anos) é que adquirimos esse direito.
Então como eu estava dizendo, hoje, a renovação regada a uma quantidade considerável de álcool e olhos fundos por noites em claro e é claro esse calor que não me deixa dormir (devo muitos de meus pensamentos ao calor). Eu precisava de um corpo novo, precisava de mais um copo de conhaque, precisava sair do meu inferno que havia me sequestrado pra dentro de suas entranhas e me dilacerava me deixando aos pedaços.
Foi muito rápido que aconteceu minha saída, como se tivesse sido parido de novo, mas dessa vez em pé, e do escuro de repente ao cair no chão me encontrava em um banheiro cheio de luz e toda minha verdade espalhada pelas paredes e todos meus órgãos ainda em mim, mas agora limpos. Em meio a toda a ilusão de um mundo inventado para aprisionar, tive um pouco de visão da realidade criativa.
Por isso, afirmo novamente, eu não sou louco...




